2010-11-05

Carta ao Presidente









8 de Outubro de 2010

Exmo. Sr. Nicolas Sarkozy

Presidente da República Francesa


Assunto: Carta Aberta dos presos políticos

sarauís

Senhor presidente,

À luz do papel histórico que a França tem

desempenhado como berço dos valores dos direitos humanos e

considerando o papel

contemporâneo desse país na promoção e protecção da democracia e dos direitos humanos em todo o mundo, aproveitamos esta oportunidade para apresentar a V. Exa. o nosso caso nesta missiva.

Somos um grupo de defensores saharauís dos direitos humanos que têm sofrido muitas provações devido às nossas opiniões e às nossas actividades pelos direitos humanos. Até à data, já passámos um ano na prisão e até agora as autoridades marroquinas não procederam ao nosso julgamento nem à nossa libertação, como foi exigido por inúmeras organizações internacionais de todo o mundo. Neste caso em particular, o estado marroquino não está a agir em conformidade com o direito internacional, que garante o direito a um julgamento justo e imparcial num período de tempo razoável e aceitável.

Escrevemos a V. Exa. sobre a situação continuada de abusos graves dos direitos humanos na parte do Sahara Ocidental ocupada pelo Reino de Marrocos. Temos igualmente sérias preocupações no que diz respeito à pilhagem ininterrupta dos recursos naturais do território.

Excelência,

No dia 8 de Outubro de 2009, fomos detidos pelas autoridades marroquinas, mais especificamente pela Brigada Nacional da Polícia Judiciária, na presença de vários agentes da segurança e dos serviços secretos, no aeroporto Mohammed V de Casablanca, após o nosso regresso de uma visita aos campos de refugiados saharauís no Sudoeste da Argélia. Depois da nossa detenção, fomos levados para o Posto de Comando da Brigada Nacional da Polícia Judiciária, onde passámos oito dias a ser interrogados, sendo os interrogatórios de natureza estritamente política. Estes interrogatórios caracterizaram-se por uma série de violações, por exemplo, violação da confidencialidade do interrogatório, na medida em que funcionários executivos tentaram influenciar o rumo da investigação, lançando uma campanha difamatória contra nós junto dos meios de comunicação social.

A detenção não foi feita com base em factos criminais, como é evidente pela campanha difamatória e caluniosa que o Estado Marroquino lançou contra nós. Uma ampla variedade de instituições da sociedade civil foi envolvida nesta campanha: a maioria dos partidos políticos, sindicatos, algumas organizações marroquinas «de direitos humanos» e todos os meios de comunicação social marroquinos. Além disso, funcionários governamentais e parlamentares fizeram declarações incitando ao ódio e rotulando-nos de «traidores», «inimigos» e «espiões argelinos». Este facto contrasta fortemente com o modo como outras organizações de direitos humanos marroquinas e internacionais compreendem o nosso caso.

Não é a primeira vez que o governo marroquino, que controla os meios de comunicação social marroquinos, forjou acusações contra os saharauis que exprimem as suas opiniões franca e livremente. Na maioria dos casos, os activistas saharauís dos direitos humanos são retratados como «espiões», «conspiradores» e «terroristas», asserções que têm sido refutadas ad infinitum por organizações credíveis de direitos humanos marroquinas e internacionais, bem como pelas comissões de inquérito internacionais que já visitaram o território do Sahara Ocidental. Acresce que a luta pacífica dos saharauís pela autodeterminação foi sempre objecto de tentativas de deturpação. Bem pelo contrário, a opção por protestar de forma não violenta contra a ocupação da nossa pátria por Marrocos é um sinal inequívoco dos valores humanitários dos saharauís e da sua confiança inabalável no diálogo e na justiça.

Excelência,

No dia 15 de Outubro de mesmo ano, fomos levados à presença do juiz investigador do tribunal military de Rabat, que ordenou a nossa prisão preventiva na prisão local de Salé.

Na verdade, cria-se um precedente perigoso, quando civis que defendem direitos humanos fundamentais estão para ser julgados por um tribunal militar. Este estado de coisas demonstra claramente como as autoridades marroquinas lidam com os apoiantes do legítimo direito dos saharauís à autodeterminação. Passado quase um ano da nossa prisão, no dia 21 de Setembro de 2010, o tribunal militar recusou ter jurisdição sobre o nosso caso e foram retiradas as acusações de traição. Subsequentemente fomos transferidos para um tribunal cível em Casablanca, onde o nosso caso será apresentado no dia 15 de Outubro deste ano. No entanto, ainda falta que as autoridades marroquinas apresentem o primeiro fragmento de prova contra nós.

Excelência,

Foi concedido a Marrocos um Estatuto Avançado pela União Europeia que tem laços consideráveis com uma quantidade de potências internacionais. No entanto, o estatuto de parceiro avançado concedido a Marrocos e as ligações privilegiadas com numerosos Estados não conseguiram convencer Rabat a pôr fim às suas políticas opressivas e não tiveram sucesso em fazer com que o país alinhasse mais com as normas e elevados padrões desses países no tocante aos direitos humanos. Em vez disso, a mudança de estatuto é utilizada pelas autoridades marroquinas como um pretexto para repetidas e clamorosas violações dos direitos humanos. Ao mesmo tempo que mantém a imagem de ser um país em vias de democratização, oprime as vozes discordantes a nível interno e continua a oprimir os saharauis que se opõem abertamente à presença indefensável e ilegal de Marrocos no Sahara Ocidental.

Está a ser cada vez mais difícil para o nosso povo acreditar na justiça fundamental, quando as pretensões de Marrocos à nossa pátria são apoiadas por uma série de acordos comerciais bilaterais que abrangem o nosso país. Ao vender os nossos recursos naturais e ao aplicar as receitas em silenciar as nossas vozes, Marrocos está a denegrir a imagem das nações democráticas, como a França, tornando-as cúmplices daquilo que é, em última análise, um roubo. Como ficou estabelecido no Parecer Jurídico das Nações Unidas sobre esta matéria, de 2002, e foi reiterado no Parecer Jurídico do Parlamento Europeu, de 2009, os recursos saharauis só podem ser explorados de acordo com os anseios e interesses do povo saharaui. Excelência, a nossa voz nunca foi ouvida relativamente a esta exploração e o único resultado destes acordos económicos que o nosso povo tem notado consiste no facto de as nossas vozes estarem a ser cada vez mais reprimidas, porque Marrocos sente-se apoiado pela União Europeia nas suas pretensões infundadas e ilegais sobre a nossa pátria.

Excelência,

Pedimos, com todo o respeito, que todos os acordos celebrados com Marrocos excluam claramente a nossa pátria, em conformidade com o direito internacional. Quanto à nossa situação pessoal, solicitamos a Vossa Excelência que exija ao governo de Marrocos que assuma a sua responsabilidade e proceda rapidamente ao nosso julgamento, num julgamento justo e imparcial e na presença de observadores internacionais, ou que nos liberte juntamente com todos os presos de consciência e defensores saharauis dos direitos humanos que se encontram nas prisões marroquinas.

Exprimindo a nossa profunda gratidão pela atenção de V. Exa. para com este assunto, queira aceitar, Vossa Excelência, a asseveração da nossa mais elevada consideração,

Defensores Sarauís dos direitos humanos - os três presos se consciência:

Ali Salem Tamek

Brahim Dahane

Ahmed Naciiri

Prisão local de Salé / Marrocos

Nota: Cópia da carta endereçada:

- ao presidente da Assembleia Nacional Francesa, Exmo. Senhor Bernard Accoyer.

- ao presidente do Senado Francês, Exmo. Senhor Gérard Larcher.

- ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Francês, Exmo. Senhor Bernard Kouchner.

- ao Representante Permanente da França junto das Nações Unidas, Exmo. Senhor Gerard Araud.

8 de Outubro de 2010

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